Como todo sistema religioso, a estrutura da religião egípcia era algo bastante imbricado e é igualmente bastante debatido por estudiosos da área. Sua característica principal está no sistema politeísta, que não é sustentado diacronicamente de forma inalterada, mas havendo, como em todo sistema religioso, mudanças aqui e ali. (WENTE, 1996, p. 408) Muitas tentativas foram feitas para discernir uma crença subjacente em um deus monoteísta que jazia atrás do panteão do Egito. No entanto, a adoração de muitos deuses, apenas com exceção da tão conhecida reforma de Aquenáton (ca. 1350 AEC), nunca foi revogado no Egito, exceto quando a cultura pagã recebeu seu golpe final com a disseminação gradual do Cristianismo e o fechamento definitivo do templo Ísis em Philae, no século 6 AEC. Alguns textos religiosos egípcios parecem descrever, vez por outra, um deus monoteísta, mas devemos interpretar essas ocorrências como exemplos pertencem ao fenômeno conhecido por henoteísmo, ou seja, a devoção é colocada em uma divindade apenas, reconhecendo, no entanto, a existência de outras. Alguns desses textos, especialmente os textos sapienciais, costumam trazer a palavra singular “deus”, criando a impressão de que havia um deus único adorado no Egito; não obstante, uma vez que estes mesmos textos também podem nomear mais de uma divindade, o termo “deus” deve ser interpretado como uma tentativa do escritor de fazer as seus ensinos aceitáveis e compreensíveis para um amplo público em várias partes do Egito, onde a identidade do deus principal variava de um local para o outro. (WENTE, 1996, p. 408) Assim, a designação neutra “deus” foi utilizada, permitindo que os leitores fornecer para si o nome da divindade que cultuava, a quem considera supremo (HORNUNG 1982: 33-65).
No sistema religioso egípcio, havia uma organização divina hierárquica, com o criador do cosmos assumindo o papel de rei dos deuses, tal como ocorre com o panteão grego, por exemplo. De acordo com a versão heliopiana da criação, o Deus Sol surgiu em um monte primordial do Nūn, as águas abismais, (PINCH, 2011, pp. 172-173) e por masturbação ou vomitando criou o primeiro par de divindades, Shu e Tefnut (representando respectivamente o ar e a umidade):
“Shu e Tefnut são os filhos do deus sol criador. Eles foram os primeiros casais divinos e formaram a segunda geração na árvore genealógica das divindades conhecidas como Enéade de Heliópolis... Shu e Tefnut foram produzidos por um deus criador andrógino, normalmente identificado como Atum ou Ra-Atum. Ele disse ter se masturbado e engolido seu próprio sêmen, a fim de reproduzir a si mesmo. Como resultado desse ato, Shu foi espirrado e Tefnut foi cuspido”. (PINCH, 2002, pp. 195-196)
Por sua vez, Shu e Tefnut produziram outros casal, Geb e Nut (respectivamente, céu e terra), de quem engendraram outros dois pares de divindades, a saber, Osíris e Ísis, e Seth e Néftis, cujas naturezas eram menos elementares e mais político-culturais:
“Em Memphis, o papel de criador foi atribuído a Ptah, e um modo espiritual de criação pelo pensamento (coração) e palavra (língua) foi enfatizado. Uma outra elaboração da versão solar foi desenvolvido em Hermópolis, onde foi dada a atenção para quatro pares de elementos primordiais que, adormecidos em Nūn, foram ativados na produção do Deus Sol, que surgiu em um lótus.” (WENTE, 1996, p. 408)
No Novo Império, o culto de Amon de Tebas foi combinado com o do deus criador sol Ra, fazendo surgir Amon-Ra. (PINCH, 2002, p. 100) Esses nomes com “hífen” expressam a noção de que um deus estava no outro sem transmitir a verdadeira unidade, uma vez que a existência independente de cada divindade ainda era mantida. Ele foi adorado como o rei dos deuses e criador do mundo e de seus habitantes, sendo o rei dos deuses, por excelência, em virtude da importância da cidade de Tebas que deu origem a 18° linha dinástica de faraós. (WENTE, 1996, p. 408) Para fundamentar a posição primária de Amon, era costume vincular seu nome com o do Deus Sol, Re, na forma sincrética Amon-Re. Ao longo da história da religião egípcia, houve uma tendência grande em produzir divindades sincréticas como Ptah-Sokar-Osíris. Não obstante, mesmo na tentativa de relacionar deuses em forma de uma única divindade, isso em nada levou ao monoteísmo. Há textos, no entanto, que ocasionalmente tratam divindades menores como hipóstases do criador.
Ao discutir religião egípcia, alguns estudiosos (e.g., MORENZ, 1964;ASSMANN, 1979) têm muitas vezes distinguido entre a importância desempenhada entre o imanente e o transcendente na tentativa de rastrear uma tendência da imanência de Deus para com ênfase na sua transcendência, uma tendência que se acredita ter entrado em destaque após o período de Amarna (séc. XIV AEC). No entanto, essa dicotomia é muito mais uma construção da egiptologia moderna e, na verdade, não corresponde necessariamente à realidade de uma religião arcaica que era essencialmente um culto, não é um livro sistematizado de crenças, ou uma religião dogmática (HORNUNG 1982, pp. 194-96; FINNESTAD 1985, pp. 104-07, 143-45). Mesmo que tenha havido alguma coisa que forneceu a unidade para a religião egípcia, não foi um conjunto de dogmas escritos, mas sim as ações ritualísticas estritamente conservadas, pois rituais basicamente idênticos foram celebrados diariamente em templos ao longo das terras egípcias, como sabemos através papiros, cenas e textos do ritual em vários templos. A ênfase atribuída principalmente à ação do ritual é graficamente transmitida nos hieróglifos em cenas de atividade ritual onde o liturgista precede a leitura do sacerdote, cujas recitações acompanhavam o ritual
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